Passaporte Literário...


Inflexões da Língua Portuguesa.

Ensaios por Vitória Távora.

Mestra em Literatura pela UFPE.

Esta página destina-se a tratar de temas literários.


LITERATURA E CARNAVAL

O carnaval é uma boa ocasião pra exteriorizar fantasias, as inocentes e as nem tanto assim, para namorar, pra cair na folia... Isso tudo é mais que óbvio. Mas, o carnaval também é um bom mote pra se falar de literatura. Alguns aproveitam os dias de folga para descansar e pôr a leitura em dia, deitado numa rede depois de um dia todo na praia. Bem relaxante, tenho que concordar.

Mas, não é a esse tipo de literatura que estou me referindo. Estou falando de usar o carnaval como tema de aula de literatura. Como assim, aula durante o carnaval? Não, não, propor isso é o mesmo que assinar atestado de óbito, principalmente morando num estado como Pernambuco, onde bastam duas latas para a folia começar.  E quando esse batuque é acompanhado de boa letra, então é que a coisa ferve, mesmo. O compositor sendo Capiba, é que a coisa pega fogo de vez! Quem, morando em Recife e arredores, nunca ouviu “Madeira que cupim não rói”, “Cala boca Menino!” e “Oh, Bela!”?

Esses frevos falam de coisas banais que Capiba deixou registradas em suas músicas. Injustiças em concurso de carnaval, a situação da mulher na sociedade e paixões não correspondidas, situações do dia a dia eternizadas, nada mais são que crônicas de uma cidade.

Segundo texto atribuído a Luís Fernando Veríssimo uma crônica “serve para estimular o gosto pela leitura, já que é um texto rápido e cotidiano, que atrai os que têm pouco ânimo para ensaios mais complexos. Serve para conhecer pontos de vista diferentes e assim sentir-se convocado a refletir sobre o assunto proposto. Serve para divertir, já que muitos cronistas aproveitam sua liberdade autoral para olhar o mundo com alguma graça. Serve para estabelecer um contato mais estreito com os leitores, que acabam vendo o cronista não como um jornalista distante, mas como um amigo de bar, tal o coloquialismo do gênero. Serve para emocionar, dependendo do tema e do tom. Mas não serve para mudar o que está errado.”

Serve, também, para denunciar injustiças, “defender a nossa tradição / e dizer bem alto que a injustiça dói / [porém] nós somos madeira de lei que cupim não rói”! 

Publicada em 04-03-2014.

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CALE-SE!

Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta


Há uns dois anos, li Mundos de Eufrásia, biografia romanceada de Eufrásia Teixeira Leite, o grande amor de Joaquim Nabuco

O livro retrata a vida dessa mulher de personalidade forte e independente que, após a morte de seus pais, administrou os bens herdados por ela e a irmã, além de não aceitar se casar com um primo. Primeiro, porque era apaixonada por Nabuco e, em segundo lugar, porque sabia que era armação do tio para se apoderar da fortuna das órfãs. 

Mas, ao retratar a força desta mulher à frente do seu tempo, Cláudia Lage expõe o lado playboy do jovem Nabuco e o lado machista e péssimo administrador do Nabuco adulto. 

Em tempos de polêmica sobre a necessidade ou não de autorização para a publicação de biografias, será que esse abolicionista acionaria a justiça contra o lançamento deste livro? 

Urariano Mota escapou da obrigação de submeter à aprovação da família da personagem principal seu livro Soledad no Recife, sobre a militante paraguaia assassinada durante a Ditadura Militar pelo Cabo Anselmo, com o argumento que se tratava de uma reportagem e não de uma biografia. Caso Joaquim Nabuco exigisse a supressão de fatos que o expõem, será que esse mesmo argumento funcionaria? 

A origem de toda essa discussão sóbria a publicação de biografias são os artigos 20 e 21 do Código Civil brasileiro que entraram em vigor em 2002 e que, atualmente, estão sendo avaliados pelo Supremo Tribunal Federal. Esses artigos proíbem “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem” de alguém sem autorização prévia. Quem desacatar corre o risco de ver sua obra embargada ou ser obrigado a pagar indenização. 

Para mim, é um paradoxo o conteúdo desses artigos. Sou professora de português. Então, vou ter de pedir autorização dos artistas ou de seus descendentes para poder utilizar textos na sala de aula? Onde vou encontrar os bisnetos, tataranetos ou sei lá o que de José de Alencar? Nossa, não quero nem pensar quanto vou ter de pagar de indenização aos descendentes de Gregório de Matos por utilizar o poema Pica Flor para falar de poemas satíricos barrocos! 

Em 2014, o Golpe Militar completará 50 anos. Com certeza haverá vários eventos sobre esse tema, nas mais diversas conotações. Inclusive, na escola Martins Júnior em Recife, onde leciono, estamos elaborando um projeto interdisciplinar com palestras, apresentação artística, etc e tal. 

Logicamente, Chico Buarque é presença incontestável, devido a seu repertório contra a censura. Ou era, pois ele, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Erasmo Carlos posicionaram-se contra a publicação de biografias não autorizadas. 

A situação é a seguinte: como utilizar contra a censura textos de alguém que defende a censura? 

Se liga, Chico! 

Publicada em 26-12-2013.


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CASA GRANDE E SENZALA


Bahia 
Gilberto Freyre

(...)
gente da Bahia!
preta, parda, roxa, morena
cor de bons jacarandás de engenho
do Brasil
(madeira que cupim não rói)
sem caras cor de fiambre
nem rostos cor de peru frio
sem borrões de manteiga francesa
(cabelo ruivo de inglês e de alemão)
Bahia ardendo de cores quentes
carnes mornas gostos picantes

(...)


Neste mês dezembro o livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, está completando 80 anos. Cadernos especiais publicados nos jornais locais, exposição na Fundação Gilberto Freyre e tantos outros eventos estão ocorrendo em homenagem mais do que justa.

A Festa Literária de Parati, FLIP, de 2010, homenageou Gilberto Freyre. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o palestrante da mesa de abertura. Fez alguns elogios, mas no geral, não poupou críticas. Pertencentes a escolas diferentes, a grande crítica que os paulistas faziam em relação a Freyre é porque ele escrevia bem. “Frequentemente se usa na linguagem acadêmica palavras para os outros quase não entenderem, essa foi minha escola. Foi uma qualidade que também garantiu perenidade a Freyre”, declarou o ex-presidente.

Às vezes, ser polêmico é interessante, pois é uma forma de permanecer sempre no centro das discussões. Nem todas as opiniões do sociólogo pernambucano são meritosas, mas o que ninguém pode negar é que a partir dos textos dele o nordeste começou a ser estudado com mais seriedade.

Agora, que tal aproveitar o momento e conhecer mais a fundo essa pessoa tão enigmática. No final, pode-se até tecer críticas. Mas, só após ler os mais de 70 livros!

Ah, que tal aproveitar e fazer uma visita à Fundação Gilberto Freyre, no bairro de Apipucos?

Fica a dica!

Publicada em 20-12-2013.

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